Direto do Forno: Massahara – Massahara [2011]

Direto do Forno: Massahara – Massahara [2011]
Por Mairon Machado
Foi com muita gratidão e também satisfação que recebi a tarefa de resenhar o primeiro CD do grupo Massahara. Confesso que fui surpreendido positivamente por um álbum sensacional, talvez o melhor já lançado esse ano no Brasil, com o forte tempero do hard setentista empregado com leves pitadas de progressivo e jazz, fazendo de Massahara um achado musical entre a mesmice que anda peregrinando e sendo divulgada por aí.
O grupo Massahara foi formado em 2002 na cidade de São Paulo. Sua primeira formação contava com um quarteto tendo guitarra, baixo, bateria e voz, e as canções eram apenas covers de bandas não tão conhecidas no mundo da música, o que já fazia do Massahara um diferencial entre as demais.
Depois de algum tempo, o Massahara estabilizou-se como um trio, tendo na formação Fabio Gracia (guitarra, vocais), Allan Ribeiro (baixo) e Thiago Sapienza (bateria, vocais), e então, passaram a compor suas próprias canções, onde construiram uma excelente reputação com shows por diversos lugares de São Paulo e região.
Em 2008, Sapienza deu lugar a Douglas Oliveira, e nessa época, o tecladista Ronaldo Rodrigues ingressou no grupo. Com essa formação, lançam um EP não oficial, apresentando canções próprias, influenciadas pelas bandas clássicas como Experience, Cream e Led Zeppelin, mas também adicionando uma forte inclinação para sons no estilo de bandas como Captain Beyond, Armageddon e Beck Bogert & Appice.
Oliveira acabou deixando o Massahara no início de 2010, sendo substituído por Renato Amorim, e exatamente com a entrada de Amorim, começam a gravar o primeiro álbum do grupo. Massahara foi registrado no estúdio Área 13, em São José do Rio Preto, levando alguns meses para ser completado e lançado pelo selo Som Interior Produções Artísticas.
O disco foi gravado em cerca de 50 horas de estúdio, já que os mśicos só de deslocavam para São José do Rio Preto nos feriados prolongados, pois com exceção de Ronaldo, que mora no Rio de Janeiro, os demais todos moram em São Paulo. O fato mais interessante das gravações é que no estúdio Área 13, o Massahara teve a sua disposição instrumentos como amplificadores valvulados, teclados Hammond C3, um Fender Rhodes Mark V e minimoog antigos e também quatro baixos e quatro guitarras diferentes, o que acabou gerando uma sonoridade ainda mais setentista ao produto final.

A bela arte de Massahara (acima) e a imitação de vinil no rótulo
Além disso, o álbum conta com a participação de dois bateristas. Com a saída de Douglas, o grupo, para não atrasar as gravações, convidou Junior Muelas, e depois, Amorim entrou para a banda. O resultado, cada baterista gravou metade das oito canções do álbum. Finalmente, todos os teclados foram gravados em apenas um dia, dando uma sensação de gravação ao vivo em todas as faixas. Outro destaque positivo vai para a arte do CD, contando com uma bela capa (criada por Gracia) e também com o CD imitando um vinil, inclusive tendo o selo da Som Interior como destaque.
A primeira faixa é “Contramão”, com o riff de guitarra e baixo de frente para o ouvinte, tendo ao fundo os acordes do órgão e as viradas da bateria de Amorim, onde o maior destaque vai para a linha de baixo feita por Ribeiro. Depois da sessão com wah-wah, Gracia puxa o riff principal, acompanhado pelo baixo e bateria, soltando a voz em um estilo bem similar as grandes bandas citadas anteriormente, e lembrando momentos dos Mutantes no álbum Tudo foi Feito Pelo Sol durante o refrão. O solo de Gracia é repleto de efeitos, e o piano elétrico de Ronaldo dá o toque setentista para o andamento de baixo e bateria, levando então a um rápido solo de moog, e voltando para o solo de guitarra sobre o riff principal, encerrando a letra e a canção com a repetição do refrão.
Ronaldo
“Lugar ao Sol” parece ter saído do fantástico álbum Captain Beyond (1972) tamanha a semelhança do riff e da distorção das guitarras. Mas a semelhança fica apenas no riff. O Massahara coloca a sua cara em mais uma outra grande canção, com destaque novamente para as linhas de baixo de Ribeiro e as intervenções do piano elétrico de Ronaldo, além do fantástico duelo central entre baixo e bateria, onde ambos os instrumentos tocam as mesmas notas. A bateria de Junior Muelas também é outro grande destaque dessa canção, que encerra-se com os belos solos de Gracia e Ronaldo.
A bateria faz a introdução de “Cabeça Boa”, que é um hardzão setentista destacando as linhas de guitarra e baixo. Porém, a canção tranforma-se, com uma superposição de solos de guitarra levando ao riff de guitarra, baixo e piano elétrico, para Gracia cantar sobre uma levada swingada e extremamente pesada e dançante. Amorim é o baterista nessa faixa, e seu estilo é bem mais “pegado” do que o de Júnior, comandando o instrumento com variações nos pratos e também nas batidas da caixa, sem exagerar em firulas ou viradas mais complicadas. O trecho central resgata os rocks brazucas da década de 70, com um ótimo solo de Ronaldo no hammond, bem como o solo de Gracia com suas escalas e vibratos encaixados a la Martin Pugh (guitarrista do Armageddon).
Ribeiro
Então, chegamos a melhor faixa do CD, a incrível “Já Nem Ligo Mais”. Essa é uma das melhores canções do rock nacional que eu já ouvi nos últimos 25 anos. O início com guitarra, órgão, baixo e bateria fazendo o riff, já é matador. Então, Iommi e Butler “baixam” em Gracia e Ribeiro, fazendo o riff para Gracia começar a cantar uma letra-manifesto muito forte, tendo Amorim soltando o braço ao fundo. Então, Ribeiro passa a solar acompanhado apenas pela bateria e utilizando-se de muita distorção no seu baixo. O ritmo muda, e Ribeiro faz uma pesadíssima investida, com escalas velozes e complicadas, alterando mais uma vez o ritmo para a entrada do solo de slide guitar de Gracia, com Ronaldo dando o andamento em seu piano elétrico, e com Gracia fazendo misérias na guitarra. Os andamentos jazzísticos de Ronaldo durante seu solo tornam a canção ainda mais agradável, e a leveza de seu solo contrasta com a pesada sessão inicial da canção, tendo ainda mais um solo de Gracia. Depois da bela sessão instrumental, Ribeiro é o responsável por voltar ao sabbathiano riff, encerrando a canção com a repetição da letra e aqueles grandes encerramentos das canções setentistas, nada mais apropriado para essa grande faixa!
“Mandacarú” mantém a sequência de boas faixas, com um riff pesado feito por escalas de canções nordestinas e com Muelas mostrando seu lado mais técnico na bateria, diferenciando de Amorim pela precisão de suas batidas, mas também sem soar como um invencionista ou algo do gênero. Depois da introdução, surge o pesado riff de guitarra, baixo e órgão, com Gracia cantando raivosamente, tendo destaque para as sombrias passagens de Ronaldo. A canção muda no seu refrão, repleto de vocalizações e com os teclados de Ronaldo sendo a principal atração, levando ao solo de Gracia típicamente hardiano, com Ribeiro e Muelas fazendo a bela cozinha de acompanhamento dos delirantes acordes de Ronaldo e das notas de Gracia e encerrando a mesma com a repetição do riff inicial.

Gracia

Depois, “Zói D’Cobra” surge com efeitos percussivos em sua introdução, surgindo então o riff de moog. O baixo toma o espaço, e a pauleira pega com mais peso e riffs marcados de guitarra, baixo, órgão e bateria. O estilo inconfundível de Amorim está presente durante o solo de Gracia, consolidado em cima do wah-wah e de variações rítmicas do baixo, órgão e bateria, no momento mais viajante de Massahara.

O riff de “Tudo o que Eu Quero” segue a mesma linhagem, em uma canção onde a letra já está mais próxima ao Led Zeppelin ou ao Deep Purple, mas as constantes mudanças de andamento a tornam única no CD, e apesar do solo de Gracia lembrar muito um determinado trecho de “Dazed and Confused” no excepcional ao vivo The Song Remains the Same,  os teclados de Ronaldo a tornam algo muito, mas muito diferente das demais.

Gracia e Ribeiro (ao vivo)

O CD encerra-se com a faixa-título. Assim como a anterior, ela conta com a participação de Muelas. O seu viajante início com barulhos percussivos e os acordes do órgão de Ronaldo fazendo a cama para os delírios instrumentais de baixo e guitarra, vai sendo construído aos poucos. Depois de 2 minutos e 28 segundos, o órgão fica sozinho, tendo apenas intervenções da guitarra, e então Muelas solta o braço, com Gracia e Ronaldo fazendo o tema para Ribeiro solar. Essa fantástica sequência de solos é hipnotizante e muito bem trabalhada, e tranforma-se na sequência com o solo de Ronaldo no moog, onde o baixo está inovativamente bem mixado, com o volume acima da guitarra e tendo bastante destaque na audição. Ronaldo faz dois solos distintos, um em cada canal, e então, a faixa vai para seu encerramento com o bonito solo de Gracia, e com Ronaldo dando show nos teclados, em camadas de mellotron, órgão e moog, voltando então ao tema inicial que encerra de vez o álbum com outra grande faixa.

Massahara, segundo os músicos do grupo, são 51 minutos de música que  é a expressão e tradução musical do sangue, do suor e das lágrimas que cada um derramou, sozinho ou em grupo, pra fazer do sonho o concreto. Eu diria mais, eu diria que são 51 minutos de prazer auditivo que poucas bandas do século atual irão lhe propiciar. Peço perdão aos músicos do Massahara pelas inevitáveis comparações aos grandes nomes do rock setentista, mas realmente, vocês estão em um nível muito acima do que vem sendo divulgado por aí.

Parabéns e que mais frutos sejam gerados nessa árvore!

Track List

Contramão
Lugar ao Sol
Cabeça Boa
Já Nem Ligo Mais
Mandacarú
Zói D’Cobra
Tudo o que Eu Quero
Massahara

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